Merendinha





Havia uma varanda naquela casa, minha avó Varinta deitada na rede, quarto. Vejo que o tempo passa em tardes melodiosas, o cheiro do passado reflete no quadro do meu avô que mira e anda por minhas lembranças não vividas. O barulho da rede dela faz assim algo do tipo que ensurdece minha solidão de menino, mesmo assim me sinto seu único neto, me sinto mais ainda, seu único filho. Na varanda uma cadeira com os punhos já velhos, não balança mais, minha avó não senta mais lá, não porque não quer, não porque não pode, mas porque rede é coisa sagrada, lugar do sono ribeirinho, de tardes que eram passagem de vida. Na geladeira já velha pego uma banana, e como. O almoço no horário sempre fiel, o relógio da minha avó é diferente, adianta e atrasa, e atrasa e adiante. Seu sono velho era marcado pelo vai e vem da rede, não havia preocupação ali, a única a existir era ela. E eu na sala assisto algo sem importância, ou escrevo talvez algo que deveria ter dito, e tive medo. Eu penso que minha avó Varinta já vai levantar, então tenho que correr dali, pois certamente o banho na hora errada será inevitável, mesmo assim a rede balança. Sinto o duplo movimento coordenado, a perna que impulsiona, a rede que vai num sei pra onde e volta. Volta em constante repetição desigual. Vovó Varinta tem o hábito rigoroso de esperar. Espera a visita dos filhos, dos netos, das filhas tão distantes, das lembranças, das águas, das quedas, das chuvas, dos chorosos, dos remédios que me curam, enfim, minha vó Varinta é a encarnação poética da espera. A rede balançou de um jeito que pensei que ela obrigatoriamente iria acordar para preparar a merenda do meu anseio. Caminho a longitude do quarto e vejo seu rosto sereno, ao lado de sua cabeça apenas uma esperança, na parede há um quadro que ela diz ser de Santa Luzia, a protetora dos olhos. Olho o quadro e sinto que devo acordá-la, mas apenas olho, resolvo voltar para o sofá da sala. Vejo meninos jogando bola em baixo do jambeiro e penso tentar uma aproximação, mas minha vó acorda e me pergunta, “meu filho, tu quer uma merendinha?” Eu enceno infantilmente não estar com fome, mas logo digo que “quero vó”. Minha vó canta a canção Maria de Nazaré e caminha até a cozinha, e eu vou atrás dela, e entre o pão torrado molhado com café e leite em pó, penso que o mais importante na vida deveria talvez ser isso: Todo o mundo pelo menos um dia na vida deveria comer a merendinha que a vovó Varinta faz, mas que pena que acabou o pão e ela saiu, foi comprar mais pão e leite.... E eu apenas espero.

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