Banho de Memórias: Nasceu Sophia
Querida Sophia, ora filha, mais tarde, bem mais tarde, também mãe, namorada, cortejada, protegida, etc, etc, já se passaram 40 dias de seu nascimento na Maternidade Regina Pacis e aguardo você aniversariar dia 09/10/2014 com seus longos 2 meses de vida. Reclamo-te que para minha surpresa, fui critica veementemente por sua mãe, por não ter escrito um mínimo texto sequer, em comemoração ao seu nascimento relembrado.
Peço-lhe desculpas pelo meu deslize, mas apesar da alegria recorrente entre todos nós, familiares, amigos e estranhos, quanto ao seu fantástico nascimento, minha mente estava ocupada em cuidar de sua mãe, aturdida em carne abdominal machucada, após um parto cesariano necessário, pois, como é de conhecimento geral, seu cordão umbilical estava querendo tirar-lhe o ar, ainda intrauterinamente.
Após a internação na sexta-feira (08/09/2014), dormimos nós, eu, você feita em ansiedade e sua mãe. Somente uma correçãozinha, tentamos descansar, mas um misto de ansiedade, temor e esperança, transpassou minha alma travestida pelo sentimento paterno, apenas potencialmente pai-terna.
Na manhã do dia 09/09/2014, após sua mãe, desde o dia anterior, ter tomado medicação para tentar induzir o parto, nenhum sinal seu na esquina. Nem sequer um telefone seu para nos acalmar, apenas letras e números das técnicas e enfermeiras, que hora à hora, nos informava dos BCF, que quer dizer batimentos cardio-fetais, o que no seu caso estava, segundo elas normal. No meu caso o meu BCdP, os batimentos cardíacos do pai, estavam em desabalada ansiedade, algo de se desconsiderar, diante do que ainda estava por vir à ser tua chegada. Em acréscimo a isso, a sua médica obstetra Dra. Marinês, uma mulher atenciosa, pequena na estatura, mas gigante no carinho e competência no trato com mulheres, fez mais um "toque" na região... na região... de onde, naturalmente você deveria ter saído. Não me faça perguntas que ora não sei se deveria te responder, ainda não sei a idade que você tem, mas mesmo assim, reafirmo que em breve, explico tudo sobre as coisas da vida.
Dores repetidas transformaram-se em dores repartidas. Algo que não pode ser explicável, apenas sentido. Era assim que, depois de duas bolsas com medicação para indução do parto normal, o corpo de sua mãe reagiu, num misto incomensurável de dor transfixante e gesto salvífico. Nossos olhares eram um contraste. Sua mãe com dores que a literatura será incapaz de descrever algum dia, e eu com dores de impotência por não poder, pelo menos aliviar a dor da minha amada polonesa, toda fora da zona de proteção que eu tinha criado, desde o banheiro que até hoje cheira neve até o telefonema na Delegacia avisando-me sobre 9 longos dias de espera. Tomada a decisão, chamei a médica. A equipe foi montada para a execução do parto. Algo metódico para eles, talvez, mas para mim, foi um momento singular. Já tinha lido, ouvido falar, mas nunca sentido algo similar, até aquele momento.
As dores não davam trégua, era notório o desconforto das contrações uterinas se intensificando. A maca de ferro gélido foi trazida pelas mulheres de saúde que vestiam a cor branca. Enquanto sua mãe era colocada na maca, sua avó Nilva e sua tia Valéria, e eu, trocamos olhares. Era a tensão do parto, a família reunida em torno do seu nascimento. Lembro agora o barulho da rodinhas da maca sendo levada, com sua mãe em cima é claro, para a sala de cirurgia. Nesse momento de paciência e espera, tomaram conta de meus pensamentos ideias várias, desejos, e, principalmente, medos. Medo de que nascesse um menino. Medo que você tivesse defeitos congênitos, e caso tivesse, justifico que a amaria do mesmo jeito. Medo de você não conseguisse tomar o leite materno, enfim, medos inomináveis foram se acomodando, camada sobre camada de meus pensamentos. Ainda bem que isto se passou.
Ouço agora o choro esperado. Um timbre estridente. Podia ser outra criança? Não. A certeza era de que na fila dos partos, sua mãe tinha sido a primeira, e disso me certifiquei. O choro pelo ar primeiro. O choro da descoberta para a vida, tinha sido seu. Nesse tempo infinito, eu apenas trocava poucas palavras, sua tia Valéria me consolava, sua avó Nilva tentava me acalmar, algo que, não por incompetência dela - mas por teimosia minha-, não foi possível. Fico olhando o roll da entrada da sala de cirurgia. Nada. Encosto meu ouvido na porta. Nada. Teriam eles desaparecido com você, talvez para vender para uma outra família? Ainda bem que foi apenas um devaneio, nada que devia ser levado a sério.
A porta se abriu, você na frente, olhos fechados, um pouco inchada, só lhe faltou um estandarte com fios de ouro com os dizeres: "Família, cheguei! Vocês podem me chamar de Sophia, e façam o favor de me amar." Você não abriu os olhos, eu estava lá, mas você não me viu. Não tem importância, a luz me incomoda para dormir, e você tinha acabado de levantar da cama uterina de sua mãe, é provável que isto lhe causaria uma espécie de desconforto desnecessário. Fotos tiradas por sua tia Valéria se reproduziram aos montes, imediatamente enviadas para a rede social virtual Facebook e posteriormente compartilhadas com amigos e outros conhecidos. Neste ponto, a rede Facebook o fez em substituição a estrela de Belém de tempos atrás. Nada de afrontar o cristianismo.
Já no quarto ao seu redor, não os três reis magos da Bíblia, mas sim sua avó Nilva, seu avô Antônio, sua tia Valéria e eu. Sua mãe deu-lhe de mamar pela primeira vez, e o silêncio foi quebrado, quando por um aporte inesperado do destino, eu disse algumas palavras, que ora não me lembro. Com certeza não foram somente as minhas palavras, mas eu digo que foi, somente por questões egoísticas. Eu queria isso. Então, isso a despertou, Você, Sophia, finalmente abriu os olhos, em slowmotion, olhou à todos que estavam no quarto. Fechou os olhos, e retomou sua necessidade natural: mamar. Sua mãe com um rosto sereno e calmo, nem lembrava a mulher em dores e prantos do início daquele sábado. Seu rosto assemelhava-se a algo do tipo como se tivesse acabado de chegar de um front qualquer, de uma guerra qualquer. Guerra do Parto? Não sei. Talvez.
Sem dúvida, para todos que estavam ali, aquele momento foi especial. Para você, que tenho certeza não se lembrará disto, por razões biológicas e naturais, ficara agora que te digo, que isto aconteceu e foi verdade. E que você se recorde sempre disto, sobre o amor de seu nascimento, que agora nos deu um banho de memórias nossas, compartilhadas com você.
Há muito ainda à ser escrito, e muito ainda à ser vivido. Viva Sophia! Viva Sophia! Sophia nasceu.
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