O conto do velho pintor.

Um velho pintor caminhava calmamente, já não havia mais aqueles compromissos laboriosos e incansáveis de uma juventude regada a responsabilidades, não havia pressa alguma em seus passos lentos, porém, firmes como nunca. Isso, por um instante aflingiu seus pensamentos lá pelos tantos da idade que ele tinha... pensar interrompido, quando prostrou-se diante da moeda achada pela rua e ao erguer a mão viu que havia encontrado uma moeda de apenas poucos centavos, de nada lhe servira aquele troço tosco e de valor infeliz, afinal ganhara tanto dinheiro como artista de rua e isto tornou-lhe famoso entre os círculos dos abandonados e espúrios da sociedade.

E, então, permaneceu atento ao seu trajeto que percorreria até sua casa, preocupado como nunca, já que ao subir a escada que o levaria até seu quarto concretamente frio e insólito, corria um perigo diuturno ao cair e, assim, depender da senhora gorda e italiana do apartamento 213, que viúva de um homem - desconhecido a ele- certamente com um semblante penúrico o ajudaria a levantar do chão. Mesmo assim, seus pensamentos corroborados com a realidade que lhe descortinara foram inúteis, ele não caiu da escada do prédio e permaneceu a sentir as lívidas dores nas costas, devido a longas horas de trabalho sob suas telas de pintura a óleo.

Mas mesmo tendo tanto tempo para fazer tudo o que ele desejaria quando ainda era jovem, seu olhar parecia distante e deslocado desta vida, parecia olhar o horizonte de sua janela para dentro de si mesmo, nada parecia ter uma cor para ele, tantas tintas o fizeram chorar e a dar gargalhadas, quantas musas pintou em seus quadros e nenhuma delas apaixonou-se por ele. ele pensava... pensava... pensava...

Então apegado ao sobretudo da janela. Ele levantou-se, pegou seu livro preferido na prateleira de madeira, tomou um copo d'água e saiu para onde não sei. Certo de que encontraria um lugar calmo para ler aquelas páginas, já que os filhos de sua vizinha e seus nove filhos insistiam a pertubar-lhe o sossego de um velho como ele, sentia uma necessidade quase absorta. a apergar-se a solidão. Então caminhou por entre as ruas do bairro, e todos pareciam olhar para ele com saudades do tempo em que ele os divertia com suas peripécias de um bom artista de rua.

E ele? Nada tirava sua atenção. Não queria e não devia ser notado por ninguém, pensava ele. Chegou então próximo ao banco escondido atrás de uma árvore... Aquele lugar pareceu-lhe o lugar ideal para uma leitura sem devaneios ou impossibilidades. Sentou-se o velho no meio do banco e abriu o livro na página que presumia ter parado na madrugada da noite anterior. Mas ao começar a ler, sentiu uma voz aproximando-se causticamente de seus ouvidos... Ele não correu, suas pernas não respondiam tão rapidamente como na época em que corria longas maratonas.

Levantou-se e olhou para os lados e nada viu. Olhou atrás da árvore que lhe fizera companhia e não encontrou a dona daquela voz doce e fugaz. Como saberia ele que era uma voz feminina? Era o cheiro do perfume que exalava daquela voz. Ele voltou ao sentar-se no banco atrás da árvore e abriu novamente o livro na página em que seu dedo havia ditado instantes atrás. E pensou então ele: "Estou ficando louco? Estou ouvindo vozes?". Mesmo assim continuou a ler. E então após ler a última frase daquele capítulo, seus pensamentos foram para outros lugares que nunca havia estado. Chorou o velho como se estivesse voltando aos tempos de quando era criança. Porque chorava aquele velho? Chorava sem sentido algum. Chorava porque sentia saudades de não sei o quê.

E no caminho de volta para casa, ouviu novamente a voz que lhe chamara pelo seu nome e ainda sim aquela doce voz, permanecia oculta e em silêncio quase taciturno. Ao entrar em seu quarto, mesmo pensando naquela voz que não sabia quem era a dona, resolveu ir para seu quarto, tomar um longo banho, quando de repente, ouviu novamente aquele voz. Assustou-se com nunca. Deu dois passos vacilantes para trás.

E finalmente viu, quem era a dona daquela doce voz: Apegada na pequena cadeira de descanso do pintor, estava sua grande musa, que depois de tantos anos, permanecia jovial e bela como nunca, ela viera lhe comprar o quadro pintado por ele. Ele ficou muito feliz ao ouvir aquela voz. Ele perguntou a ela como lhe achara naquele lugar, quando ela retrucou que não havia sido dificil encontrar um velho pintor, que morava sozinho e que estava ficando cego dos dois olhos. Houve um rápido silêncio entre eles naquele quarto insólito.

Os dois sorriram um ao outro e conversaram exaustivamente sobre os tempos em que ainda eram jovens...

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