Ostra feliz não faz pérola

"Ostras são moluscos sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas,sopas. Sem defesas - são animais mansos-, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentros das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário. Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão...". Não era depressão.Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro de sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de suas aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava. Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez um deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num obejto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizeram uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa.

Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos. No seu ensaio sobre o Nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério.Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não suncumbiram ao pessimismo. A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven- como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa..."(ALVES, Rubem. Ostra feliz não faz pérola.São Paulo. Ed. Planeta do Brasil,2008)

Comentários

  1. Bela reflexão Everson. Você escreve divinamente bem. Parabéns pelo blog! Sucesso. Bjo!

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  2. Adorei esse texto de Rubem Alves, ele escreve muito bem mesmo, como vc postou em um texto abaixo.
    Apesar de comentar pouco seus textos, sempre os leios e admiro seu dom com as palabras. Beijos meu gênio.

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  3. esse é mesmo muito bom, um dia achei ele por aqui... já tinha visto, mas isso nao tira seu mérito..

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  4. Caroline é uma feitiçeira de primeira...hein! eu não sou um gênio... apenas você que é inteligente o suficiente para agradecer. é tão importante agradecer.. me sinto orgulhoso de poder ser lido por voce.. te adoro caroline... com todos os meus 7corações..

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  5. Diego não existe. Diego criou sua própria existência de acordo com a necessidade de nos fazer brindar com suas palavras sadias grimpantes... parece um simples poeta, mas é mais do que isso.. é um poeta das alegrias.. poetas das noites.. poeta das lutas hodiernas.. poeta do amor e do ódio. poeta de poucas e muitas horas profundas.. poeta ipsi literi... é um ditirambo... kk

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